segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Circus minimus...

A música em alto som não chega para atrair muitos espectadores...
O vento  agita algumas meio desbotadas bandeiras num aceno  ao fim de tarde...
Na entrada, as figuras maquilhadas dos palhaços fazem o esgar da alegria.Bem coloridos quase afrontam o sol que se escapa pelas nesgas da tenda e das roulotes. Para eles convergem os olhares, inquisitivos, dos putos de palmo e meio que vão chegando...
Avós, pais, tios e parentes,  a quem coube a missão da guarda do dia, acercam-se da bilheteira e fazem contas. Calculam o conforto pelo preço estampado na folha rabiscada. Distraem-se com os erros gramaticais, apelando a uma sabedoria de remota escolaridade.


A impaciência dos mais novos traduz-se em pulos e pulinhos descompassados da música. Outros, mais versáteis, chutam o cascalho e ouvem as reprimendas do costume. Para os que ali estão pela primeira vez a concentração estática parece ser a melhor maneira de apreender as novidades em seu redor. E, alguns, conseguem dormitar na sua habitual cadeira de passeio, como se toda a tarde estivesse longe de acontecer...


Furtivos, os empregados arredam cortinas a avaliar o quilate da assembleia.Fingem que os números são mais do que os esperados e vão prolongando a espera e a ilusão. Enfim resignados, pelo número que não cresce, decidem abrir o espaço da festa para mais um jogo da vida.


A acrobata cintilante, o homem que dança sobre rolos, o mágico que fatia a sua companheira, os heróis da banda desenhada, a menina que faz equilibrios com as pombas coloridas. Todos se sucedem numa carambola gigante e bem sincronizada. De repente, o mágico já é domador, e a acrobata vestiu as calças de palhaço. Os heróis tiram a máscara. Do trapézio soltam-se movimentos arriscados. E sobre todos eles pairam as estrelas da cúpula da tenda  num firmamento de fantasia...


No pónei pachorrento, os mais afortunados e afoitos, tem direito a fotografia. Mais vivazes, as pipocas competem com o algodão-doce. Agora a malabarista passeia-se, por entre o público, atiçando espadas coloridas. Mãos minúsculas estendem-se para aquela miragem, mas a contenção da bolsa acaba por ganhar forma num "não!" nem sempre muito sonoro. As luzes voltam a redesenhar a pista...


Fumos e luzes antecipam  a entrada da acrobata, que já foi palhaço e agora volta  para ser contorcionista. Ritmam-se os tambores para os malabarismos da pampa argentina. E na insólita rapidez descobre-se que o homem das boleadoras  é afinal o porteiro que fez as contas na bilheteira...
Mais de perto, por uma fracção de olhar, notam-se os brilhos que descolam. As malhas apanhadas na meia da trapezista. A cortina puída da caixa  mágica.  O tapete de pista com rasgões de tantas dobras e andanças. As frases mecânicas do apresentador. A música  gravada que disfarça a inexistente orquestra. Como se uma imensa tristeza ali se tivesse  subitamente demorado.
Mas chegam os palhaços!!!!! E tudo explode outra vez! Graúdos e miúdos despertam do sono do riso e as gargalhadas borbulham na total alegria! Os olhos alargam-se pela pista e todos os pormenores são motivo de prazenteira descoberta. Criam-se laços de cumplicidade. Os adultos participam no faz de conta e os mais pequenos rejubilam com a surpresa!!!!
A companhia volteia pela pista e despede-se do público. As palmas têm algum calor mas a magia começa a desfazer-se. Lá fora a tarde ganhou os ruídos da cidade que anoitece...
A tenda desmontada. As roulotes armazenando quotidianos. As feras, cabeça de cartaz, conformadas ao confinamento da sua jaula. Pela estrada. Ao longo do calendário. Na esperança de reinventar a Alegria no olhar de todas as crianças.
Imagens(C) Google Images

1 comentário:

Joaquim Moedas Duarte disse...

Deixa que a emoção me comova, Avelã! Escreveste um texto tão belo!...

Este é o circo da nossa infância com as cores desbotadas pela realidade da vida já vivida. Por nós, sim, mas também pelo circo, em luta desigual contra os circos ricos que vão aos festivais de Mónaco, ou os que percorrem o mundo com novas roupagens como o tal "Du Soleil".

Fica a galhardia daqueles artistas que acreditam que ainda nos podem divertir com a ocupação do "seu posto de trabalho" - como anunciava o locutor - e não adivinham que o eles conseguem é comover-nos com a enorme dignidade com que mantêm viva a ilusão do maior espectáculo do mundo.

Obrigado, querida Avelã, pelo ENORME TEXTO que nos ofereceste!