domingo, 17 de outubro de 2010

Viagem


Na curva da estrada, um moinho
de velas abertas no ar sem vento: move-as
o eco das palavras esburacadas pelo
uso; empurra-lhe as pás um murmúrio
de asas queimadas pelo sol
da memória.

Subindo as escadas, sinto
um cheiro a mofo de farinha, a impressão
àspera da serapilheira dos sacos, um ténue
calor de barro no intervalo das pedras. Mós
num remoinho de sílabas
esmagadas.

Frestas por entre as telhas. Um
fragmento de céu limpo de nuvens. O
pássaro negro da eternidade
pousa no azul.

in Nuno Júdice,Geometria Variável

Imagem (C) Marcin Wodzynski

4 comentários:

Joaquim Moedas Duarte disse...

O moinho ainda mói... na memória dos olhos que não vêem as ruínas.
Nuno Júdice, um dos grandes poetas portugueses do nosso tempo!

GS disse...

... Nuno Júdice, este poeta que tanto admiro! Belíssimo!

Boa semana... e excelentes leituras :)

Um beijo,
(neste momento divido-me entre livros que cruzo em leituras)

Sara disse...

Belas imagens, na minha modesta interpretação: as palavras e a memória como forças impulsionadoras. Apesar do cansaço...
Excelente escolha!

Beijinhos :)

Paula Nadler disse...

Adorei seu blog!!!!!!!