domingo, 14 de fevereiro de 2010

Flor de tinta


O poema é o desenho desta letra
inclinada pelo rumor do vento
quando lhe peço abrigo
e vejo nele o espelho do meu corpo
repousando nos teus braços de ontem.

A tinta ainda não acabou de secar.
O cheiro fresco da página vira-se para a página seguinte
e a minha voz ouve-se melhor ao vento
quando conspiramos silêncio
a próxima letra
e a exactidão do seu desenho.

Agora há mimosas nas árvores
e lá em baixo o rio já não é como era
nem saberia sê-lo.
Esqueci como se bebe a água pela mão
ou como se bebe a mão
do rio.

Eu existia nessa transparência,
na flor espiritual e liquida
da tinta
que retoca no papel a sua vida.
Esta letra é o meu nome soletrado por ti,
o meu nome que ainda não está seco
e te olha nas acácias florindo em amarelo
no rigor do inverno.

Qualquer palavra tua me desenha
e assim começa qualquer coisa
que me estava destinada desde sempre.

Rosa Alice Branco

Pintura (C) http://www.nilzasilva.com

5 comentários:

Vicktor Reis disse...

Querida Avelaneira

Magnífica paretilha deste belo poema.

Muito grato.

Beijinhos.

BCas disse...

Oiii. Lindo! A imagem casou perfeitamente com a sonoridade das palavras. Beijocas de Elisabeth de cotidianobighouse.

Joaquim Moedas Duarte disse...

A tinta ficará sempre fresca, Avelã!
SEMPRE!
Bj

Isamar disse...

Um belo poema que não conhecia. Por aqui, os ribeiros correm céleres, o sol apareceu por entre uma nesga azul do céu, as acácias estão cobertas de amarelo e as amendoeiras continuam esplendorosas.

Bem-hajas!

Bjinhos

Lilá(s) disse...

Não conhecia o poema mas é lindo.
Bjs